Poemas

por Fabiana Carneiro

 

[sem título]

 

Ela ensaia uma cambalhota 

e como quem desfaz um nó

me convida a rir

de seu movimento desajeitado

 

Nos olhamos 

com a cumplicidade festiva de corações que já animaram um mesmo corpo

e agora buscam 

cada um 

a sua toada

 

Ela respira

E retraça a rota

para nova tentativa

                           _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ 

 

          VIVA! 

[grito meu serpenteia o céu da sala] 

 

Abrigadas no tempo dos começos

Por um instante 

Fazemos pouco da morte

que, 

dona das ruas, 

nos espia pela janela. 

 

 

Umbigo

 

Como quem faz carinho

Em sua bisavó

Minha filha toca

Esse coração aberto

No centro do meu corpo-terra

                       Umbigo

                                   Em idioma antigo

                                    me grafa enredos

                                    Que apenas a palma 

                                                               da mãozinha dela

                                                                                    sabe ler

                                     me lavra sonhos

                                     Que quiçá a palma 

                                                                   da mãozinha dela 

                                                                                  poderá colher

  

 

 

 

 Eu Cariri 

 

Aquela minha bisavó 

De quem não vi retrato

De quem não ouvi relato

E muito menos documentação

 

Abriu no tempo

Uma picada

E me entregou um mapa

  

                         Todo ali o Cariri

 

Caninana, a minha dança

Semente-juá, meu olhar  

Pequizeiro-em-flor, o coração

E língua essa é romaria-multidão 

 

Dia após dia,

contra a queda do céu 

aquela minha bisavó

me encontra

mas não me diz quem eu sou

Ela me olha

e na certeza de que eu sei quem ela é

me investe de esperança 

sentida

feito chuva em mata seca

 

 

Fabiana Carneiro

Neta de Amada e de Quitéria, filha de Lourdes, mãe de Imani. Tece um caminho que alinhava docência, pesquisa e ações artísticas no campo dos saberes contra-hegemônicos, sobretudo a partir do eixo constituído por literatura, corpo e experiência comunitária. Doutora e mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), atua como professora adjunta no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Concebeu e co-dirige a série Literatura inteira e o projeto artístico Mulher meio-fio. Coordena o Tessituras Negras: ateliê de leituras literárias e práticas pedagógicas (PROBEX-UFPB) e é autora do livro Ominíbú: maternidade negra em Um defeito de cor (EDUFBA,2019).

 

 

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