Já pensou num livro de uma folha só?
O poeta e artista campineiro João Proteti, pensou. E foi além.
Na terceira postagem da série onilíricos, Tati Fraga escreve o sonho com uma cobra vermelha nas mãos.
— Qualquer vírgula passa a ser suspeita quando um escritor, que desde os 11 anos SABIA que queria ser escritor, declara: [sic] “não sentia nenhum desejo ou necessidade de escrever o que quer que fosse”.
Na antiguidade a embriaguez era o signo da vertigem sagrada que coroava o homem com a luminosidade diáfana do eterno, o drogado era investido de um êxtase profético que o colocava no epicentro do culto a transmissibilidade da palavra, isto é, o enigma da palavra migratória. A embriaguez era um estado mágico em que as formas divinas assumiam a coloração dos fenômenos humanos.
Em outubro, eu li uma matéria na Revista Quatro Cinco Um chamada Partilha do sensível , que dizia do quanto nós perdemos a capacidade de vivenciar coletivamente o absurdo. Estamos já quase na metade de fevereiro e eu ainda não esqueci essa ideia da incompreensão como uma experiência partilhada. Eu tinha acabado de começar a ler o livro Partilha do incomum, e me pareceu que os dois textos conversavam, não só pelo nome, mas pela intenção, mesmo sem nunca terem se visto.
No final do ano passado (o fatídico ano de 2020), com uma turma “pioneira”, em parceria com A Casa Tombada e a educadora Camila Feltre, comecei a construção de uma espécie de “laboratório da fantasia” — não para fugir da realidade, embora isso, para alguns, possa soar como uma proposta bem atraente — mas, ao contrário, para tomar consciência das potencialidades estéticas do pensar/fazer, de como construir coisas novas por meio de “ideias estéticas”: formas criativas de narrar, de provocar o riso, de olhar para os objetos, para as pessoas, seus hábitos, peripécias e outras balbúrdias.
Tal paisagista, Natalia Barros, observa o comportamento dos fenômenos naturais dando voz à escuta do mundo. Das experiências intensas e atuações intensivas de Natalia performando a promessa da oralidade e musicalidade da poesia, palavras foram esculpidas, entoadas, modulando melodias, modelando paisagens sonoras em formas, ritmos, espessuras, dinâmicas. As vozes do mundo na voz da poeta são caligrafadas no ar, feito nuvens ornamentais, nuvens eternamente mutantes.
Esse amor começou com a minha livreira preferida de cupido. Chegou pelo correio, com o já tradicional embrulho de tecido e a flor de crochê da Biblioteca Amarela.
Eu tinha acabado de me decretar em férias. Sentei no meu lugar de ler, sem relógio nem celular.
Será que ler palavras escritas com a caligrafia, que é própria de cada pessoa, é a mesma coisa que ler palavras digitadas, que estão quase sempre no mesmo formato e que sem assinatura nem sequer sabemos quem escreveu? Como professora há quase 20 anos, muitas vezes recebi atividades sem nomes e muitas vezes as identifiquei pela letra já conhecida por mim daqueles/as estudantes. Trabalhos digitados, sem nome, não permitem isso…
O desgaste político-miliciano parece querer sequestrar a linguagem,
que deixa de criar significados para repetir infinitamente um retorno
ao estéril – memes – do mesmo. Sob pressurização, sem espaço, sem entrelinhas. Zoom-Zumbidos. Burburinho-Bárbaro. Tagarelar- Babélico. As palavras que se instalam na linha de front, nas barricadas, são palavras roubadas. Palavras alinhadas. Palavras de prontidão. Palavras à serviço. Palavras de Ordem. Progressistas. Aliciadas. Alistadas. Palavras em linha de produção. Palavrarmada. Palavraria. Palavrório. Palavrices. Palaviral. Palavranão. Palavras estado de emergência?
Preciso contar que pensei em muitas coisas para escrever sobre o livro, suas tantas camadas verbais e tantas outras visuais e táteis. Mas depois de me deixar realmente penetrar por ele e pela música que escolhi para acompanhar esta escrita, meu desejo maior foi o de sentar-me à sombra de uma árvore, fechar os olhos a absorver a vida apenas com o pulmões.
Livro ilustrado. Livro-álbum. Tem palavra ou só imagem? Tem menos texto que antigamente nos livros infantis? Isto representa uma predileção pela ilustração nas obras contemporâneas dedicadas à infância?
Esses versos do livro de poemas Avesso, de Danielle Monteiro, me chegaram de presente pelo correio, envolvido em um azul petróleo, livro de textura profunda, chamado Avesso. Logo, sou chamada a pousar na palavra petróleo- óleo que se retira da pedra.
“Tempo de angustiar é tempo de contar? – Um ensaio, de gestação longa, parido na pandemia, quer mostrar que mal-estar pode ser um caminho narrativo”, intenso e necessário trabalho de conclusão de curso realizado por Leticia Fagundes, na pós-graduação Arte de Contar Histórias.
Pra mim, o cheiro é uma forma mais delicada de rezar. Depois vem o tecido, depois a costura, que também pode ser chamada de escrita. Todas as três são preces porque chegam.
Quero muito falar sobre ela, mas mal a conheço e certamente vou passar minha vida a conhecê-la. Ela misturou vida e obra na mesma panela; leituras e releituras de gestos, sentimentos, sons, palavras, memórias. Teve uma vida de assombros, de descobertas, de sobressaltos de experiências, de “não sei”.
Escrevo rente aos fios. Começo por roubar uma epígrafe, uma dupla-captura, um entre possível. Escrevo rente à paisagem perfurante do butoh, aos pontos que se deslocam no tecido, ao bando e a todas as vozes que falam em mim.
Gente é pra contar. Afirmação cortante de Renata Penzani, a partir do livro Todas as pessoas contam. Uma leitura ardente, experimentada, concreta, vital.
Após o encontro com o testo O Narrador, de Walter Benjamin, Damiane Niomara se re encontra com seu avô e suas histórias.
Tati Fraga e sua pesquisa por entre a escrita-sonho nos dá a ler seu texto Onilíricos II.