Nossos passos vêm de longe: oralitura negro-brasileira e africana

 

por Carol Fernandes

 

“Exu matou um pássaro ontem, com uma pedra que só jogou hoje”

Ditado Iorubá

 

“Nossos passos vêm de longe”! Nem sempre tive a dimensão do que esta frase representa para tantos e tantas que, assim como eu, não caminham só. Em 2011 passei pela experiência mais transformadora de minha vida: ingressei na graduação de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Ainda sem compreender muito bem do que se tratava a tal pedagogia e de como seria aquela travessia que duraria 4 anos e meio, me vi perdida e avulsa ao universo de possibilidades que somente anos mais tarde eu as tomaria como minhas por direito.  

Me aproximei de debates relativos aos processos de ensino e aprendizagens, movimentos sociais, relações étnico-raciais, linguagens e infâncias, entre muitas outras abordagens e temáticas que transformaram não somente a forma como olho para as pessoas e suas jornadas, mas, também, a maneira como passei a me enxergar e a perceber a história das populações negras diaspóricas. Foi um verdadeiro e contundente deslocamento de olhar.

Nos espaços tempos que ocupei, ao lado de colegas, crianças, docentes, pesquisas, livros, literaturas e militâncias, me afirmaria como promotora da literatura negro-brasileira e africana. Neste contexto, em 2013, me encontrei com Omo-oba – Histórias de princesas, um livro que reúne pequenos contos da tradição Iorubá, adaptados para as infâncias, tecido em palavras por Kiusam de Oliveira, narrado com imagens por Josias Marinho e respeitosamente acolhido e publicado em 2009 pela Mazza Edições.

Um encontro promovido não pelo acaso, mas como consequência deste grande movimento de recriação e reflexão ética e estética que começou na geografia do meu corpo e identidade enquanto uma mulher negra brasileira e transbordou para minhas relações, olhares, práticas e percepções como uma docente comprometida com a formação de leitores de palavras, imagens, filosofias, culturas, pessoas e natureza.

Omo-oba – Histórias de princesas, registra, com a intenção de integrar um sistema contínuo de transmissão de saberes e conhecimentos, histórias pertencentes à cosmologia iorubá, protagonizadas por orixás femininas. Nas palavras de Kiusam de Oliveira, são “histórias que mostram como princesas se tornaram, mais tarde, rainhas”. De forma lúdica e poética, os autores das palavras e imagens desta obra, destacam a importância das linhagens femininas na cultura iorubana em representações que evocam a infância destas personagens. Ao retratá-las assim, os autores dialogam com as infâncias de milhares de meninas e meninos que poderão rir, se emocionar, sentir medo ou tensão pelas experiências vivenciadas por cada uma das erezinhas princesas orixás.

A edição nos convoca a um mergulho em nossas origens matrilineares, pois ao olharmos também através do espelho de Oxum, nos perceberemos pertencentes a um cíclico, coletivo e ininterrupto processo de construção identitária.

As histórias transmitidas por meio da tradição oral, contadas e recontadas com a insistência e resistência organizada do Movimento Negro Unificado, sobretudo, dos terreiros de candomblé, exercem atuação fundamental no processo de manutenção das tradições afro-brasileiras e no combate aos atentados epistemicidas, intencionalmente promovidos pelo racismo estrutural. Por meio delas, temos a oportunidade de nos aproximarmos e compreendermos parte fundamental de uma das filosofias que orientaram, pavimentaram e demarcam crenças, hábitos, manifestações e comportamentos culturais da população brasileira.

O livro Omo-oba – histórias de princesas é capaz de provocar, quando mediamos distanciados do impregnante racismo religioso, diálogos necessários sobre a forma como nos integramos à natureza, seus elementos e como somos, antes de tudo, seres coletivos. Assim, Exu que nos acerta ontem com pedras, gritos e sopros lançados no hoje, se emocionaria com a criança, recém apresentada à Iansã, bradar ao ver e sentir a chuva se anunciando: EPARREY OYÁ.

 

Obs.: Resenha-Afetiva realizada como atividade proposta pela professora Cristiane Rogério durante a pós-graduação O Livro Para Infância / Turma 8. A resenha também foi publicada na dissertação de mestrado da professora e coordenadora da pós, Cristiane Rogério: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/236141 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sou a Carol Fernandes, autora, ilustradora, artista visual e pedagoga. Conheci e me apaixonei pela literatura infantil durante minha formação acadêmica na Faculdade de Educação da UFMG.

Minha relação com as crianças pequenas, mediada pelos livros ilustrados para as infâncias, me convidou a criar meus próprios textos e imagens. Assim me tornei autora e ilustradora.

Por meio das linguagens literárias busco me comunicar e me expressar, uma vez que elas representam ser, sobretudo, potentes estratégias de significação das minhas vivências e da maneira como me relaciono com os outros e com o mundo.

Minhas produções são, também, parte do resultado da trajetória de (re)criação ética e estética do meu trabalho docente e artístico, envolvendo uma ampliação referencial de imagens e memórias africanas e negro-brasileiras.

Me acompanhe no Instagram: @carolcaracolilustra

Meu portifólio: https://carolcaracolilustra.myportfolio.com/

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