África e Europa no Ensino de Filosofia

por Mauricio de Novais Reis

 

 

 

Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico é o meu livro mais recente, publicado em 2020, pela Editora Fi. Resultado de uma percepção minha ao longo de mais de uma década como docente de Filosofia na escola pública ao ver um público majoritariamente negro sub-representado no debate filosófico, o livro só foi materializado no decurso do mestrado em Ensino e Relações Étnico-Raciais (PPGER/UFSB), quando me propus a pensar os problemas do ensino de Filosofia na educação básica pública. Escrevo desde criança, mas nunca havia me desafiado a um projeto de escrita tão grandioso como este. Apesar do receio, eu resisti, persisti e realizei, por considerar que estudantes e professores da escola pública merecem uma reflexão diferente, menos reducionista da Filosofia. Por isso, deixei de lado a escrita literária durante dois anos para me dedicar à pesquisa e, posteriormente, à escrita deste livro.

         Mas o que este livro de apoio pedagógico tem de diferente de todos os outros no campo da Filosofia? Bem, os manuais e os livros de apoio pedagógico privilegiam as supostas origens gregas do conhecimento filosófico, sequer permitindo aventar-se outras possibilidades e argumentos. Frequentemente, as publicações brasileiras que versam sobre o assunto parecem repetir um certo mantra de reforço à filosoficidade grega. Assim, o grande diferencial deste livro, na minha opinião, é buscar maneiras de estabelecer intercâmbios epistemológicos simétricos entre as tradições filosóficas europeia e africana, indicando, aliás, a existência da reflexão filosófica entre os antigos egípcios, muito antes dos gregos.

         Sim, o livro começa questionando o falso consenso de que a Filosofia surgiu na Grécia Antiga, com Tales de Mileto. Mas para fazer uma afirmação dessa natureza foi necessário buscar na antiguidade egípcia as origens do pensamento de Imhotep, Akhenaten, Pitah-Hotep, que viveram muito antes do surgimento da Hélade. Precisei importar livros de Portugal, Espanha, França, Estados Unidos e Moçambique, porque no Brasil a bibliografia necessária para a pesquisa não poderia ser encontrada. Além disso, várias das obras pesquisadas não estavam disponíveis em português; por este motivo o livro contém diversas referências em francês, inglês e espanhol.

        Tanto José Nunes Carreira (Filosofia Antes dos Gregos) quanto Fernando Susaeta Montoya (Introducción a la filosofía africana) foram especialmente importantes para essa empreitada – não somente porque são europeus e rejeitaram o mantra desde muito repetido –, mas especialmente porque empreenderam uma busca inigualável das raízes do pensamento filosófico no antigo Egito, demonstrando a anterioridade egípcia no tocante a variados campos da reflexão filosófica. Os achados de Carreira o levaram a afirmar que a filosofia moral teve começo no vale do Nilo cerca de 2700 anos a.C. com Imhotep. Segundo os registros – inclusive arqueológicos –, os egípcios foram os primeiros moralistas da humanidade (Chupa essa, Kant!). Isso obviamente não reduz a importância da filosofia construída a partir da Europa, mas insere novos elementos na discussão filosófica num ponto que até então havia ficado obscuro.

         Ah, mas não é só isso. O livro ainda explica como o colonialismo “inventou” o continente africano, relegando seu povo à condição de humanos incompletos, semi-humanos, através de noções preconcebidas de sua cultura. Filósofos importantes como Kant, Hegel e Hume contribuíram para esta concepção reforçadora do racismo na medida em que demonstravam sua concepção preconcebida dos africanos e pessoas não brancas de modo geral. Dentre os escritos desses importantes pensadores europeus, pode-se encontrar juízos preconceituosos em relação às pessoas negras, especialmente africanas. Por isso, não podemos pensar a história do racismo sem considerar as ideias desses filósofos, uma vez que seus escritos foram amplamente divulgados por toda a Europa e Américas.

         Em contraponto, recheei o livro de autores negros, africanos e da diáspora. O objetivo era trazer as ideias desses pensadores para o centro da conversa. Sim, o livro é uma conversa, uma troca de ideias entre os filósofos, o autor (eu, no caso) e os leitores. E nessa troca de ideias, os leitores são levados a compreender a importância de se colocar no centro da discussão figuras como Cheikh  Anta Diop, Frantz Fanon, Kwame Anthony Appiah, Achille Mbembe, Marcien Towa, Ergimino Mucale e tantos outros grandes pensadores pouco conhecidos no Brasil, mas cujas reflexões são indispensáveis para descortinar diante de estudantes e professores a história não contada da filosofia produzida em África, no presente e no passado.

         Talvez o leitor esteja se perguntando neste momento quanto custa o livro. Pois bem, sendo o resultado de uma pesquisa de mestrado empreendida no âmbito de um programa de pós-graduação de uma universidade federal, decidi disponibilizar a versão digital do livro gratuitamente para todas as pessoas que desejarem estabelecer contato com as ideias ali expressas. 

         Mas, enfim, por que ler o livro?

         Porque Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico demonstra categoricamente que é possível filosofar em todas as línguas, a partir de todas as raças e de todos os lugares, porque a Filosofia é pluriversal. Mas a geopolítica hegemônica do conhecimento não gosta quando questionamos o racismo antinegro embutido nas suas premissas autodeclaradas universais.

Por isso este livro é tão fundamental.

Faça download gratuito do livro: www.editorafi.org/777ensino

 

Maurício de Novais Reis

Além de Ensino de filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico (Editora Fi, 2020, 212p.), também publiquei Não estamos interessados (poemas, CBJE, 2008, 88p.), Um Crime Passional (romance, CBJE, 2010, 210p.), O maravilhoso mundo de Alice (novela, Multifoco, 2017, 72p.), Um Dia de Chuva e Outros Poemas de Amor (poemas, Multifoco, 2019, 102p.). O livro Pablo despencou da goiabeira (contos) encontra-se no prelo e será publicado pela Editora Multifoco. Possuo também diversos artigos sobre psicanálise e filosofia publicados em importantes revistas acadêmicas.

 

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