Manifesto a favor da alegria da escrita
A alegria da escrita
Queremos com esse manifesto acordar a alegria da escrita. Mais especificamente, a alegria da escrita de um Trabalho de Conclusão de Curso.
Queremos afirmar que acreditamos que a escrita de um Trabalho de Conclusão de Curso é, sobretudo, um trabalho de nós sobre nós próprios, isto é, nos exige a sustentação de uma voz, de um posicionamento, de um gesto no mundo.
Queremos com esse manifesto afirmar que não queremos dar as mãos para a língua do poder, essa que silencia, que julga, que exclui, que obriga a dizer as mesmas coisas que todos dizem, que faz acreditar que há uma banca examinadora (exterminadora) que irá apontar o dedo para as fraquezas de quem se põe a estudar. Esqueçamos as frases achatadoras, os comentários paralisantes. Esqueçamos a falta. Esqueçamos o “eu”.
Queremos com esse manifesto afirmar que não nos interessa a escrita enquanto verificação do conhecimento canônico, com fins avaliativos, e sim uma escrita que saboreia a experiência do conhecer que não está pronto e explicado, que deseja partilhar, contar o que pensou, o que moveu, o que viu, o que gritou, o que iluminou, o que segredou nesse percurso de estudo. Uma escrita que afirma a vida viva, complexa, nascente.
Queremos afirmar que a nossa escrita singular é a nossa maior resistência. Escrevemos e isso materializa o mundo. Escrevemos e isso pode circular. Escrevemos e isso pode impregnar outras pessoas. E é justamente isso que abala a língua da História com H maiúsculo. A ninguém interessa seres singulares pensantes que não se deixam levar tão facilmente pelo medo. Quanto mais nos aproximamos de algo que não conhecemos, menos medo temos.
Mas como esse processo de escrita historicamente tão dolorido, tão cheio de marcas profundas, tão maltratado, pode ser alegre?
A primeira alegria é nos darmos conta de que ninguém chegou a esse percurso de maneira vazia, folha em branco. Cada pessoa já possui uma série de perguntas, criações, pesquisas, fazeres, encontros com a escrita, desejos de continuidade e descontinuidade. Algumas destas estão esquecidas nos cadernos, nos arquivos de computador, nas gavetas, nas paredes, nas histórias familiares ainda não contadas, nas memórias apagadas. Outras ainda são ideias nascentes, pedindo diariamente para serem feitas, retomadas.
A segunda alegria é percebermos que nosso percurso de estudos vivemos uma diversidade de aulas, leituras e encontros que trouxeram inquietações, aproximações e distanciamentos, provocaram notas nos cadernos, risos, fugas, nós na garganta, abriram muitas outras leituras, pesquisas e exercícios. Quais caminhos foram abertos? O que inspirou mais? O que moveu?
A terceira alegria é percebermos que não andamos sozinhos. Antes de nós vieram outras pessoas e outras e mais outras que passaram pela mesma travessia. Ou seja, fazemos parte de uma corrente de escritas que desejam manter a pergunta, o espanto, o olhar para as coisas de um modo não autoritário, para que o movimento não morra. Estamos inventando uma língua. Que vem de séculos.
A quarta e última alegria é que A Casa Tombada é uma casa de escrita. É um lugar para fazer da escrita uma casa. Sem modelos fixos. Afirmamos que o seu exercício de entrega, de disposição, de paixão e de errância será lido, será cuidado, será escutado. No inacabamento, no fragmento, no minúsculo, no desconexo, na confusão, na opacidade, na não linearidade, na fuga do assunto. “Tudo pode. Só não pode de qualquer jeito”. Seremos interlocutores uns dos outros.
E o que mais poderíamos desejar?