por Ângela Castelo Branco
Recebi um convite da Telma Holanda para escrever minha experiência como educadora. Disse ela: inclusive os perrengues, os descaminhos, as decisões difíceis, viu?! Esse texto integraria um e-book composto pela narrativa de mais 12 mulheres para comemorar os 13 anos da Diálogos. Obedeci. Compartilho aqui o texto que escrevi e também a publicação na íntegra, que conta com a abertura da mestra educadora Cleide Terzi.
E, antes disso, deixamos um abraço generoso e admirado d’A Casa Tombada à Casa Diálogos por esses 13 anos de re existência!
Tenho um lápis e um caderno na mão. E um ímpeto de escrever um texto em linha reta. Ou melhor, escrever pulando as linhas, mas construindo frases em uma narrativa linear, com início, meio e fim bem marcados e alguns pontos chaves e luminosos. Porque ninguém é de ferro.
Acontece que quase tudo o que vou contar cabe em três ou quatro frases. E elas se repetem, somem, retornam e sempre estiveram aqui. Contar sobre um trajeto em educação é reunir contas, daquelas que passam pelos dedos de alguém em profunda concentração, meditação.
A primeira frase-conta chama-se um beijo dado mais tarde, escrita por uma autora portuguesa chamada Maria Gabriela Llansol. E eu me reconheço inteiramente nela. O meu encontro com educação não foi óbvio (nunca é). Depois de ler essa frase eu percebi que comigo também foi assim: eu não decidi ter uma carreira em educação. Eu não escolhi viver pela educação, me formar em educação, progredir em educação. As coisas que eu precisava realmente fazer eu as encontrei só depois, só mais tarde. Como se fosse essa a condição para qualquer encontro: chegar tarde demais, vir só depois de muita busca, porque a espera é grande e, no entanto, temos a sensação de conhecer de um lugar que ainda não existe.
A segunda frase-conta é a pergunta: E agora? O que é preciso ser feito agora? Eu sabia que tinha algo para fazer (como todo mundo sabe), que precisava germinar e sair da condição de espectadora. Todas as vezes que me fiz essa pergunta, não me arrependi. Diante de um grupo desafiador, diante da decisão de romper com trabalhos que me ofereciam conforto material mas não existencial, diante das constatações de abuso de poder e autoritarismo, do vício de repetir as mesmas coisas que “dão certo”, diante da constatação de minha condição de privilegiada, diante da decisão de saltar sem rede embaixo, diante da escassez de recursos, diante da exaustão, diante da morte: E agora? O que é preciso ser feito agora?
E a terceira frase-conta vem como um raio: pra continuar sendo a mesma, é preciso mudar. É um paradoxo. Só na mudança algo se conserva. Na mudança, vamos ampliando as possibilidades de ser quem somos. Impedir a mudança é a morte. A mudança nos garante o estado de pergunta. No vivo, não há projeto eterno, não há conceitos estáveis, não há métodos prévios. O vivo precisa que mudemos as palavras, os hábitos, a língua. O vivo precisa da radicalidade do vivo.
Por fim, a quarta e última frase-conta ainda não está perfeitamente elaborada (já que estamos tratando de experiência). É uma frase que tenho sentido o gosto na minha garganta: todas as vezes que me vejo na condição de “dona” de algum projeto, minha potência diminui. Ou melhor, todas as vezes que precisei tomar decisões difíceis sobre os caminhos d’A Casa Tombada e não escutei minha intuição, não li os sinais, que desprezei os portais que se abrem nos momentos de confusão, todas as vezes que fiquei martelando na ideia de que tenho um desejo, sei qual é e que preciso realizá-lo, “pô-lo em prática” eu malogrei, sofri, adoeci, fiquei menor.
Sim, tenho um lápis e um caderno na mão. E a certeza de que, em educação, há muito por se contar. Há muito por se escrever e fazer das nossas narrativas um gesto ainda não conquistado, colonizado. É nisso que eu acredito e dedico inteiramente a minha vida.
Acesse aqui o e-book: 13 mulheres co-movidas por diálogos:
https://drive.google.com/file/d/1j1Qs9MSoPPXGboku31j5d-zNyVrJHMhR/view