por Thaís Dols
O livro é casa, casa da palavra, do tempo e da alma. Casa-refúgio, Casa-colo e Casa-morada.
Desde o encontro “O que é um´A Casa?” com Jorge Larrosa, Ângela Castelo Branco e Giuliano Tierno, a palavra CASA e todas as suas reverberações em minha mente e alma permaneceram e borbulharam. Começamos o encontro com a frase de Jorge: “As palavras são belas porque vem de longe.” E a partir daí ocorreu um verdadeiro deleite de palavras, etimologias, origens e histórias que foram trazendo para a palavra CASA outra forma, outros significados, outra força e profundidade.
Larrosa diz: “CASA é um lugar do habitat humano.”, mencionando em seguida uma frase de Hannah Arendt “Os homens vivem na terra e habitam o mundo.”, no sentido de um lugar para se habitar, um lugar na terra com todo seu enraizamento.
CASA, vem do latim căsa,ae que está mais relacionada à ideia de um abrigo, uma cabana humilde, um casebre, diferentemente da palavra RESIDÊNCIA que se conecta a ideia de estar sediado em algum lugar. Algo que Larrosa pontuou soar mais como um local de ricos. Diferentemente também da palavra DOMICÍLIO que vem do latim domus, dominus – o “Senhor”, que derivam palavras como domínio e dominador, dando a ideia do poder sobre outros habitantes da uma mesma morada.
Segundo Jorge, “CASA é a palavra mais humilde de todas as possibilidades” (…) “É um lugar para se viver, habitar, morar…” MORAR, que vem do latim morare, morari, relacionada à ideia do demorar, parar, ficar, permanecer e viver. Só o tempo nos faz moradores de nossas moradas.
E aí as reverberações… Casa-tempo. Casa-refúgio. Casa-morada. E a palavra LAR? Lar vem de fogo, lareira, lares. Segundo Larrosa, na Roma Antiga havia os “Deuses Lares”, deuses do lar, que protegiam a casa e de alguma forma a porta.
Eu simplesmente amo a poética das PORTAS e JANELAS, que inclusive me motivou a buscar a origem dessas palavras. PORTA, vem do latim portus, como o local de passagem de um lugar, de um aposento para o outro. JANELA, vem do latim januellam, diminutivo de janua, “pequena porta”.
Gosto de pensar no LIVRO como uma porta, a comunicação entre mundos, a ideia dessa passagem entre o mundo interior e exterior. As janelas como parte dessa conexão com o outro e consigo mesmo.
Ao abordar a fenomenologia arquitetônica da casa, Larrosa fala sobre a porta, como um lugar que une e separa, entra e sai, pode estar aberta ou fechada, um lugar simbólico de boas-vindas e despedidas. Já o teto, protege da chuva, protege do sol, do dia, da noite, do INFINITO. Em uma casa tem fogo, tem água, tem cama como um lugar de segredo, lugar do íntimo; tem o átrio, a sala principal, como lugar de receber amigos, de fazer banquete, lugar da fala, do discurso e, na cultura grega, lugar da troca de “presentes” no sentido de hospitalidade. Presente como algo que você ama, algo que não se compra e algo que é importante para ti.
CASA com todas essas camadas de reflexões, casa como lugar de encontro, de reflexão, de ação e lugar onde se guardam os tesouros. Para mim LIVRO é isso. É casa que conecta, une histórias, pessoas e afeto. É um narrar, um narrar-se; é um eternizar histórias; é uma forma de digerir, processar nossas vivências, conectar consigo mesmo e com o outro. É casa abrigo, casa-refúgio, casa-vórtice, casa ação e casa-movimento. É um local para se abrigar, descansar do mundo e ser livre.
Será que é por essa razão que a palavra LIVRO e a palavra LIVRE vêm do latim liber? A palavra livre vem de liber, libra, librum, “livre, franco, independente”. E a palavra livro vem de liber, librum, “córtex de árvore”, que passou logo a querer dizer “obra escrita com páginas superpostas”. Liber era o nome de uma membrana localizada debaixo da casca da árvore que também era utilizado como uma espécie de papel primitivo. A palavra book em inglês também se relaciona com árvore, vem da palavra de raiz germânica bok, palavra que significa faia, um tipo de árvore. Em latim, o caso nominativo de LIVRO e LIVRE é o mesmo.
E então me recordo das citações de Larrosa acima “CASA é um lugar do habitat humano.”, casa como um lugar para se habitar, morar, um lugar na terra com todo seu enraizamento. Ele ainda diz “Todo LIVRO é uma reflexão do que é ter raízes, (…) enraizamento de morar em um lugar e não só em um espaço.”
O livro é isso, casa-morada, casa-céu e casa-chão. Casa-morada com suas raízes que se conectam, conversam entre si, histórias que unem pessoas, vivências e conectam pelo afeto. Ao terminar a poesia, a encaminhei para algumas pessoas da pós do livro para a infância e a Camila Feltre me escreveu dizendo como ficou chocada com nossa conexão, pois há tempos pensava em um nome para sua oficina de criação de livros que é parte também de sua escrita de doutorado e bem naquele final de semana o livro como palavra e imagem tinha surgido em sua mente, um livro como casa da palavra, da imagem e de todas as suas criações. E bem nesse momento ela recebeu a minha poesia. Para mim mais uma reflexão dessas raízes. Raízes que se comunicam, se conectam com suas vivências, histórias e com a vida. A Marilda Castanha em uma de nossas aulas disse como somos uma grande rede que se nutre e se fortalece. Uma rede de amantes dos livros, da educação, das histórias e das pessoas, uma rede que se apoia e se fortalece. O caminho é nos alimentarmos constantemente, darmos suporte uns aos outros, escritores, ilustradores, editores, professores, poetas, mediadores como essa força que une e impulsiona.
Ao ler a poesia, a Cris Rogério e a Ananda Luz me escreveram lindas palavras. Palavras que impulsionam. A Ananda sugeriu a escrita aqui no blog, justamente para essa partilha, para esse achegar, essa conexão e esse transBordar.
Uma CASA é um lugar para se habitar, necessita de habitantes. Como Larrosa diz, uma casa necessita ser parte de uma vizinhança, é uma das necessidades não somente do corpo, mas da alma. É preciso convidar os amigos e introduzir a sorte.
E para introduzir a sorte, duas aulas de Luiza Helena Christov simplesmente me tombaram e me inspiraram nessa escrita. Em um primeiro encontro falamos justamente de um texto de Larrosa “A operação ensaio: sobre o ensaiar e ensaiar-se no pensamento, na escrita e na vida.” E no segundo encontro falamos sobre seu texto “Escrita de si e texto acadêmico: Potência e cuidados no convite ao conhecimento”, onde acabamos falando, entre muitos assuntos, sobre a escrita acadêmica, a escrita de si, o afeto e a poesia. Com todas essas inspirações, palavras, pensamentos e sentimentos que pulsavam, não consegui parar de escrever, eram tantas as reflexões que reverberavam em mim, que a poesia aconteceu.
Que a poesia possa ser casa-morada, casa-colo e casa-conexão, mesmo que em apenas um suspiro, um momento de descansar do mundo. Que se sintam sendo recebidos na porta, com janelas abertas, com um mundo de possibilidades, sonhos, acolhimento e força. Que os livros continuem sendo morada: Livro-morada, Livro-casa, Livro-lar, Livro-céu, Livro-chão e Livro-conexão.
Poesia, vem do latim poesis, no entanto sua origem está na palavra grega poíesis, que indica a ideia de criar ou fazer. Para mim poesia faz parte do “viver juntos”, “fazer juntos”, com casa, com morada e com vizinhança. Larrosa terminou suas reflexões sobre casa com a palavra NOSTALGIA, palavra grega formada de nostos, que significa regresso e algos, que significa dor. A palavra nostalgia como a dor do regresso e a dor do não conseguir regressar. Regresso é um caminhar para trás, progresso como um caminhar para frente e ingresso como um caminhar para entrar. Mas só se regressa a uma CASA. Que possamos sempre ter nossas casas-moradas para regressar e nossos Livros-casas para despertar.
Ele ainda trouxe uma reflexão sobre nossa Casa Tombada como um lugar que simbolicamente possa habitar a comum “falta de casa”, ou seja, um asilo para aqueles que buscam um refúgio. Em minhas palavras, uma extensão também de nosso lar, um abrigo, uma morada para os amantes das histórias, do conhecimento, das palavras, reflexões, poesias, pessoas e vida.
Que esse espaço, palavras e poesia cheguem como carinho na alma, como colo, acolhimento e abraço em palavras.
Que os LIVROS sejam sempre céu e chão. Livro-céu para os passarinhos morarem e Livro-chão para as flores sempre brotarem.
UM ABRAÇO EM PALAVRAS,
THAÍS DOLS
THAÍS DOLS é mãe, professora e poeta. Filha de Jorge, um catalão de nascimento, brasileiro de coração, cuja sensibilidade e empatia é sua grande força e Eli Aico, mãe de descendência japonesa, bordadeira que lhe ensinou com profundidade sobre o amor e a beleza do encontro das diferentes culturas. Desde que sua mãe partiu, o encontro com a poesia aconteceu e a alma aqueceu como abraço de mãe. Seus filhos Pedro, Júlia e sua filhota canina Sol são felicidade instantânea e lembretes constantes da pureza do desacelerar do tempo.
Apaixonada pelos livros, pelas palavras, pelas línguas e pela arte, deixou o Direito pela Pedagogia, se especializando no Canadá. Tem atuado como educadora no universo bilíngue há 23 anos e, concomitantemente, como formadora de professores e é pós-graduanda do curso “O Livro para a Infância” n´A Casa Tombada.
Ama ler, escrever, tomar café com pés na grama e sentir o calor do sol. Se recarrega nos livros, nos amigos, na família e na natureza. E é simplesmente apaixonada pelas miudezas e pequenas grandes coisas da vida. Contato: @thais_dols / thaisdols@hotmail.com