por Edith Derdyk
E é com grata alegria e entusiasmo que lançamos na A Casa Tombada o Curso de Extensão sobre Livro de Artista – “Livro de Artista e suas extensões gramaticais” -, reunindo pesquisadores, artistas e produtores que pensam o Livro de Artista como espaço de investigação, campo poético e dispositivo na cena contemporânea.
E por que Livro de Artista?
Livro de artista, livro-objeto e obra-livro: são experiências relativamente recentes no cenário artístico brasileiro. O livro, tal como o reconhecemos hoje, em sua forma, função e realidade tecnológica, sinaliza um outro território poético quando se pensa nele como suporte experimental. As possibilidades formais que se entreabrem a partir da investigação do livro como objeto poético desenham um arco extenso de experimentações, congregando o conhecimento artesanal aos processos industriais, potencializando a mixagem de várias linguagens e modalidades de registros visuais e literários, multiplicando a descoberta de estruturas narrativas dadas pelos entrelaçamentos inusitados entre a palavra e a imagem.
Desde sempre, todas as matrizes e superfícies possíveis – pedra, barro, papiro, couro, pergaminho, papel, tela… – são campos de aterrisagem para os signos – visuais e verbais – cavoucados, gravados, inscritos, estampados, desenhados, impressos – são tábulas, são páginas, folhas e sites e fólios – futuros miolos, volumes, cadernos, blocos e suas mais variadas extensões nos modos de se ligar, acumular, costurar conectar, associar, sequenciar os signos designando modos de leituras que nascem das pontas dos dedos. Os livros de Artista são partituras coreográficas, são quase cinema, são propositores performativos, são superfícies extensivas, continuamente descontínuas que se estendem no tempo e no espaço, como uma caminhada em estado de eterna movência, tal Livro de Areia de J.L.Borges, “porque nem o livro nem a areia tem princípio ou fim”.
E as células do livro – as bem ditas páginas – se apresentam em folhas soltas ou costuradas, coladas, dobradas em solos, duplas, trios, quartetos, páginas móveis mesmo quando fixadas. Enfim, toda e qualquer modalidade de produção/reprodução de imagens e palavras de qualquer época e lugar, serão lugares para armazenar, conter, difundir, amplificar, memorizar, imaginar, preservar, multiplicar signos.
A História do Livro proporciona ingredientes fabulosos e substanciais para se pensar e produzir Livro de Artista, onde podemos apreender a sintaxe e a gramática constitutiva do livro como resíduos poéticos. Livros que se tornam livres, nosso “livro arbítrio”. Aliás Livro Arbítrio foi o nome de uma exposição (termo cunhado por Lucia Mindlin) para uma exposição em 2007, a partir de um grupo de estudos que coordenei por 3 anos, pesquisando o livro como espaço poético e gênero artístico.
Como antecedentes, Julio Plaza escreve o artigo O livro como forma de Arte I e II publicado na extinta revista Arte em SP, 1982 e Anna Tereza Fabris e Cacilda Teixeira Costa organizam a exposição Tendências do Livro de Artista no Brasil, 1985 no CCSP. E o assunto revigora na entrada do século XXI, com o livro fundante sobre o assunto, Página Violada escrito por Paulo Silveira –, 2001, UFRGS. Em 2013 organizo o livro Entre ser um e ser mil – o objeto livro e suas poéticas, Editora Senac e em 2016 Amir Brito lança O livro de Artista e a Enciclopédia Visual, UFMG. São livros que falam sobre livros de artista, concebidos por pesquisadores brasileiros, aqui convidados para comporem este Curso de Extensão com outros pesquisadores e artistas como Regina Melim, Elaine Ramos, Ana Luiza Fonseca, Galciani Neves, Fabio Morais, Camila Feltre.
O Livro de Artista, pela sua natureza híbrida, é um campo de investigação que recebe distintos afluentes que vem da Literatura, da História e Filosofia, das Artes Visuais, Artes Gráficas, Artes Performativas, com conteúdos que sempre surpreendem pelo inesperado, pois nunca sabemos o que acontece ao abrir a primeira página de um Livro de Artista – esta caixa fechada que inaugura o tempo.
A Casa Tombada recebe este Curso de Extensão que se entrecruza com outras Pós e Cursos proporcionados pela Casa – a dizer O Livro para Infância, Narração Artística, Gestos da Escritas, Caminhada como Método porquê o livro é também o lugar dos relatos, das travessias, das dramaturgias. Segundo e seguindo o poeta inaugural Stéphané Mallarmé, pérola preciosa que ilumina esta trilha, tomando O Lance de Dados jamais abolirá o Acaso como uma janela radicante e porosa – “No fundo, o mundo é feito para acabar num livro”.
SILVEIRA, Paulo. A página violada – da ternura à injúria na construção do livro de artista. UFRGS, 2001 (primeira edição)
DERDYK, Edith. Entre ser um e ser mil – o objeto livro e suas poéticas.Editora Senac. SPO, 2013
BRITO, Amir Cador. O Livro de Artista e a Enciclopédia Visual. UFMG, 2016.