por Paula de Santis
Depois de 2 anos no formato virtual, a mais importante feira de livros para a infância do mundo, que acontece na cidade italiana de Bolonha, volta a ser presencial e uma estudante d’A Casa estava lá.
Ir à Feira do Livro Infantil de Bolonha pela primeira vez é como um bebê molhando os pezinhos no mar também pela primeira vez.
Não importa a temperatura da água.
Importa o tamanho do mar, a imensidão, ondas fracas e fortes, marolas em todas as direções e infinitas cores produzidas pelos reflexos do sol. Importa mais ainda o que os olhos não veem, mas os pés sentem. A textura da areia, uma alga molenga que esbarra nas pernas, uma concha quebrada que espeta ou um cardume de peixes fazendo cócegas. É um não-saber cheio de expectativas e de surpresas.
Ao contrário do bebê que entra no mar guiado por mãos amorosas e protetoras, eu entrei sozinha. Usava apenas umas boias pequeninas, presente carinhoso de gente que entrou há pouquíssimo tempo na minha vida, como a Cris Rogerio, coordenadora do curso de pós-graduação O Livro para Infância, d’A Casa Tombada. Sem ela, certeza que teria precisado de um salva-vidas de emergência.
Ter ao alcance da mão um estande do Brasil, com nomes conhecidos, presenças familiares, é sempre um conforto para quem mora fora de casa há tanto tempo. Saí de São Paulo para Santiago, no Chile, em 2014 e, desde 2018 moro na França.
Ver nossos livros entre tantas correntes desse oceano chamado Bologna Children’s Book Fair foi especial. Somos pequenos, mas somos enormes. A sensibilidade dos textos, o talento das ilustrações, as produções caprichadas, os prêmios, a vontade de ganhar o mundo, estava tudo lá. Até nomes consagrados internacionalmente, traduzidos e distribuídos mundo afora. Quantas palavras importantes falando da nossa cultura, do nosso jeito de ser, da nossa gente.
O estande de Portugal estava pertinho, como o do Chile e o do Uruguai. Mas não havia nenhum da Argentina!
No primeiro dia, para chegar aos estandes das editoras, atravessei longos corredores com paredes brancas. Com o passar das horas, elas foram sendo preenchidas com cartazes, cartões de visita, posters e todo o tipo de material para comunicar quantos ilustradores talentosos estão disponíveis e ávidos para trabalhar. Iam sendo colados pelos próprios artistas, que buscam autores, editores e plataformas para suas artes. Esse mural é uma proposta tradicional da feira que conecta o trabalho e os contatos dos ilustradores com outras pontas do negócio editorial.
Nem todas as editoras vendiam seus livros, o que é uma pena. Porém algumas, além dos livros, vendiam imagens de seus ilustradores. Uma pena não ter tantas paredes em casa. Cadê o museu de ilustrações do livro infantil?! Bem curado, atualizado, diverso e inclusivo, seria um sucesso.
Ao contrário de mim, que estava ali para mergulhar, me inspirar, me emocionar e aprender um tantão de coisas, todo mundo está na feira para:
1. fazer negócio, por meio da venda de direitos autorais, contratação de ilustradores, autores e tradutores, descobrimento de novos talentos, parceria entre editoras, etc.
e
2. discutir as principais tendências do mercado, debater políticas públicas de interesse do setor e de seus profissionais e criar parcerias que façam evoluir o segmento de literatura para a infância.
Me impressionou a quantidade de desafios que um continente como a África tem que enfrentar para disseminar a sua literatura. Não, não estou falando de dinheiro primariamente. Antes dele, há questões religiosas, culturais, idiomáticas, políticas e tecnológicas. Há muito por fazer e ainda mais a debater.
Conheci o trabalho maravilhoso de artistas de quem nunca tinha ouvido falar como Neil Packer (nascido em Trindade, no Caribe), Hervé Tullet (França), Beatriz Alemagna (Itália), Benjamin Lacombe (França), entre tantos outros. Descobri editoras empenhadas em publicar e em investir em boa literatura. E também países muito pequenos ou com muitos problemas graves e que fazem questão, mesmo assim, de marcar sua presença num evento como esse, quase como uma forma de resistência ou militância. Entre eles, Hungria, Eslovênia, República Tcheca, Quênia, Ruanda e Zimbabue.
Não consigo deixar de pensar no autor, no ilustrador, no editor e no diagramador como artistas. Vejo a arte como a habilidade de criar o belo. Belo para os olhos, belo para a alma, capaz de provocar sensações como bem-estar, desejo de contemplação e de reflexão, emoções várias. E todos eles entregam tudo isso!
Os debates, apresentações, painéis e entrevistas também são, ainda que breves, de altíssimo nível e conseguem ir além do superficial (em razão do tempo curto) deixando sempre ideias para pensar, desconfortos para considerar, inspirações e milhares de pulgas atrás de nossas orelhas.
Houve, ainda, muitas sessões dedicadas à discussão da inclusão de populações vulneráveis no universo da leitura, às preocupações ambientais e com o futuro do planeta e como todo isso se encaixa na literatura infantojuvenil, no objeto livro e nas responsabilidades do setor, inclusive com a presença da educadora Bel Santos Mayer, uma amiga importante de noss’A Casa e nossos estudos.
Ao caminhar pela areia de volta para casa, foi inevitável olhar para trás e me despedir do mar. Saí dele revigorada: com a alma alimentada, com a cabeça borbulhando e um sorriso nos lábios difícil de se desfazer. Hoje, quase 15 dias depois, ainda encontro peixinhos vivos se remexendo nos meus bolsos.
Paula de Santis é jornalista, escritora e mãe do Rodrigo e da Alice. Tem MBA e mestrado em Negócios de Impacto e Economia Solidária, respectivamente. Em 20 anos de carreira escreveu sobre economia e finanças em jornais e revistas da imprensa brasileira, atuou em comunicação corporativa e desenvolveu projetos para ONGs no Brasil. Hoje mora na França e cursa a pós-graduação O Livro para Infância, n’A Casa Tombada.