por Ângela Castelo Branco
Comecemos como se termina: Por delicadeza, perdi minha vida (Rimbaud). A Escritura do Desastre de Maurice Blanchot é o título de um livro. DESASTRE. DES ASTRE. Estar fora do astro, estar separado da estrela guia.
Não fazer parte da rota de um astro, cair em um desassossego deambulante. Sem contorno.
Isso, escrever em queda livre. Não é você que escreve o desastre, mas a noite branca- uma noite sem a escuridão e que o clarão do meio dia não ilumina-. Escreve-se com o silêncio ou com o esquecimento.
Indecifrável a si. Você está ilegível para você mesmo. E continua a escrever. Porque não é você que escolhe. Você apenas recebe, sem saber que está recebendo e sem saber o que recebeu. Mas recebe.
Pois o desastre cuida de tudo (Rocha, p.148). Desconhecido que é, também para o pensamento.
Como Marguerite Duras (1994, p.47):
Escrever.
Não posso.
Ninguém pode.
É preciso dizer: não se pode.
E se escreve.
É o desconhecido que trazemos conosco: escrever, é isto que se alcança. Isto ou nada.
Pode-se falar de uma doença da escrita.
Não é simples o que tento dizer aqui, mas acho que é possível reencontrarmo-nos aqui, camaradas de todos os países.
Há uma loucura de escrever que existe em si mesma, uma furiosa loucura de escrever, mas nao é por isso que se cai na loucura. Ao contrário.
A escrita é o desconhecido. Antes de escrever, nada se sabe do que se vai escrever. E em total lucidez.
Assim como desaloja, desapropria, descentra, entra e sai Maria Gabriela Llansol (O começo de um livro é precioso, 2003, p. 238):
“Nas costas do livro, a obra também se torna, adquire
O andar que lhe é próprio. Dou-te um sinal____viverá se
Dou-te um sinal ____ viverá se
Se evadir da normalidade canônica dos gêneros. Se não
Ameaçares a sua liberdade de consciência, a obra irá
Até onde pode ir. “Vejamos onde nos leva a escrita” é
O suspiro de qualquer livro. A primeira página vê,
A segunda move, a terceira agita-se. À sua volta,
Encontrará estagnação para o deter. Dá-lhe força
Da tua generosidade. O narcisismo que sentires é
Dispensável.O aparelho literário—vendas, leitores,
Crítica—será o que sempre foi. Ninguém quer
Elefantes em casa. Quem quer dormir com o inquieto?
se te acontecer duvidar, pensa no “S’envole”, o coelho
Saltitante que tanto confunde o Literatura. Sê leve e
Não te esqueças—“Par délicatesse, j’ai perdu ma vie”
Não, não vamos perder nossa vida. Nem tampouco encontraremos uma razão para viver. Perderemos a razão.
Entre aqui para ler fragmentos d’A Escritura do Desastre traduzidos por João Rocha: http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/emtese/article/viewFile/9627/8924
Referência do livro:
BLANCHOT, Maurice. A Escritura do Desastre. Lumme Editor. Bauru, 2016.
imagem: Anselm Kiefer