Por Natalia Barros
(os amantes para sempre)
Era uma vez a primeira Primavera do mundo. Os amantes conheceram-se nessa Primavera e fizeram amor na terra em cima das flores debaixo das árvores cheias de flores e de ovos. Continuaram a fazer amor no Verão. Debaixo das árvores carreadas de frutos e de folhas no meio dos grilos e das cigarras, no mar e nas searas. Quando veio o Outono, continuaram a fazer amor na terra, as folhas caíram sobre eles e eles não se importavam, até gostavam. No inverno, a neve caiu sobre eles e tapou-os completamente. Era o último Inverno do mundo, um Inverno que durou para sempre sobre a neve sobre os amantes e os amantes fazem amor dentro da neve para sempre.
(Poema da poeta portuguesa Adília Lopes, publicado no livro Caras Baratas – antologia, editora Relógio D’Água, em 2004.)
Porque falar de amor. Se existe algo que importa é o corpo a corpo. A germinação do corpo das flores e dos pássaros, dos ovos, dos frutos; e a experiência de sermos em relação direta, em campo íntimo e aberto. E para encarnar na escrita o corpo está em duração, em permanência e mutação. ‘Sempre’ é um lugar de presença, os amantes para sempre sazonais. As estações se escrevem na rotação dos dias. Quem escreve está no dia mais brilhante do ano? Ou dentro da noite mais longa? Estamos em casa, na casa do outono aqui no hemisfério sul, e continuamos a fazer amor na terra, com as folhas em branco caindo sobre nossos corpos.
Esse poema fala de ritmo, erotismo e fertilidade. O que fecunda conta uma história.
Referência das Imagens:
artista: Biba Rigo
imagem externa: Sem título/ carvão sobre parede/2020
imagem interna: Pouso/ monotipia sobre tecido/2020