por Maurício de Novais Reis
Não suportam o meu fenótipo
Enquadram-me sempre no estereótipo
É a marca racista de Lombroso
Que faz de mim um criminoso
E motiva a violência policial
Na periferia, na zona central
Já não existe saída para mim
O cano do revólver será o meu fim
Se não mudarem a política nojenta
Que essa elite maldosa inventa
De assassinar a nossa negritude
E nos acusar de não ter atitude
Diante da vida
(coisa de genocida).
Se liga!
Fácil falar, difícil fazer
Essa gente tem a vida inteira pra viver
Não precisa se esconder da polícia
Nos barracos pobres a coisa é séria
Mães criam seus filhos em meio à miséria
Desigualdade social, preconceito racial
E o FMI dizendo que o país “tá” legal
Como? Nem possui saneamento ambiental?!
E as crianças brincam no lixão a céu aberto
Correndo atrás de um futuro incerto
Parece que somos insetos
Sem saída
(suicidas).
A gente não quer esmola
Tampouco queremos sua compaixão
Nossa luta é por direito à escola
Direitos humanos, mais educação
Igualdade, liberdade, fraternidade
Lema central da Ilustração.
Diziam que negro é pré-lógico
Incapaz de pensamento filosófico
Somos apenas seres diaspóricos
Lutando contra grupos elitistas
Malditos porcos imperialistas!
Somos gente, acredite
Nossa mente é desenvolvida
(tem gente que ainda duvida).
Usam meu corpo como protótipo
Para seus experimentos despóticos
No lusotropicalismo de Gilberto Freyre
Abolição chegou, não tenho sequer um alqueire
De terra para cultivar minhas cicatrizes
Simplesmente anulam minhas diretrizes
Na mestiçagem me chamaram mulato
Ouvi de Sílvio Romero este relato
Infame, mesmo assim vamos que vamos
Em nome das teorias de Artur Ramos
“Tá” puxado viver desse jeito
Desfilando minha cor em meio ao preconceito
Coragem atrevida
(pele despida).
Usam meu cabelo como bode expiatório
Para me conduzir a interrogatório
Igual escravo fugitivo
No tronco levando castigo
A pele às vezes preta outras, marrom
Só queria ter conhecido Fanon
Ouvir seus relatos de guerra
Levantando os condenados da terra
Juntamente com Senghor e Nkrumah
A fim de fazer África prosperar
Libertar-se do jugo eurocêntrico
Tudo bem, sei que este assunto é polêmico
Liberdade assistida
(África continua sofrida)
Mas “peraí” um momento
Estou misturando alguns elementos
África afetiva sadia na mente
África efetiva permanece doente
Às mãos do imperialismo remanescente
Como Gilson Brandão alertou a gente
Aqui é Brasil, realidade cruel
Pátria amada, mas infiel
Não sabe proteger seus “guri”
Matou até mesmo Zumbi
Claro, ele era preto
Criou uma cidade livre de preconceito
Palmares nação aguerrida
(retratos da nossa vida).
Finalmente as coisas vêm melhorando
Adolescentes negros estão estudando
Medicina, Enfermagem, Direito e Filosofia
História, Administração e Engenharia
Alguns fizeram até doutorado
São pesquisadores prestigiados
Mas tem gente que não gosta
Porque muitos negros estudaram pelas cotas
Política pública para igualar os ponteiros
Porque antigamente os brancos largavam primeiro
Certo, não quero generalizar
O Brasil ainda tem muito o que mudar
Porque ainda estamos atrás nesta corrida
(pela igualdade na vida).
O paraíso das raças era uma fantasia
Aqui o racismo existia, mas ninguém via
Suposta democracia racial
Mas permanecia o jugo colonial
Das mentiras contadas mil vezes
Há tempos pelos colonizadores portugueses
Reproduziu-se a mentira mais habitual:
O brasileiro é cordial
Deixaram os índios sem terra
Os negros em guerra
Constante contra o sistema prisional
Que escraviza como o governo imperial
República falida
(por monstros presidida!).
Queria viver com igualdade
Ser alguém no seio da sociedade
Em vez de viver sempre fugindo
Dos horrores de um mundo covarde
Toda essa revolta faz com que me vingue
Mas eu sigo o conselho do irmão Luther King
Resistência é meu nome, pode crer
A educação é a arma certa para vencer
Malcom X, Mandela e De Bois
São os modelos que eu tenho para imitar
Conceição Evaristo e Carolina de Jesus
Elas também já carregaram sua cruz
Foi difícil encontrar guarida
(mulheres sofridas).
Agora vou parando por aqui a discussão
Já tem gente dizendo que é vitimização
Conversa fiada, puro mi-mi-mi
É o pretexto que eles têm para nos oprimir
Só porque nós somos negros somos parados
Em blitz com nossos carros financiados
Pedem documento, cheios de desdém
Na cabeça deles o negro não é ninguém
Não pode ter um carro importado
Que eles perguntam logo se é roubado.
Eu quero um país muito diferente
Por isso, meu apelo ao presidente
Cuide das pessoas desta pátria querida
(pense menos na economia e mais nas vidas).
Maurício de Novais Reis é pai, escritor, poeta, filósofo, pedagogo, professor e fez o mestrado em Ensino e Relações Étnico-Raciais na UFSB. Publicou, entre alguns livros, Ensino de filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico (Editora Fi, 2020, 212p.) e o livro de poemas Não estamos interessados (CBJE, 2008). Este poema foi, originalmente, publicado na Revista Abatirá. (Fotos: Ananda Luz)