O Poema, de Luiza Neto Jorge
I
Esclarecendo que o poema
é um duelo agudíssimo
quero eu dizer um dedo
agudíssimo claro
apontado ao coração do homem
falo
com uma agulha de sangue
a coser-me todo o corpo
à garganta
e a esta terra imóvel
onde já a minha sombra
é um traço de alarme
II
Piso do poema
chão de areia
Digo na maneira
mais crua e mais
intensa
de medir o poema
pela medida inteira
o poema em milímetro
de madeira
ou apodrece o poema
ou se ateia
ou se despedaça
a mão ateia
ou cinco seis astros
se percorre
antes que o deserto
mate a fome
(poema da poeta portuguesa Luiza Neto Jorge, publicado no livro Poesia, editora Assírio & Alvim, em 2001)
—
Por Ângela Castelo Branco
O que dizer, o que escrever depois de um poema desses?
Quando leio: o poema em milímetro de madeira/ou apodrece ou se ateia
me calo, me escondo, estou árvore sem casca, nua.
Como isso fala tanto comigo? Como fala tanto de mim? Um de mim além de mim, um de mim da madeira que sou, da madeira em mim que sou. Dedo de madeira em riste: ou fungo ou fogo, ou seca e estala ou mofa pra sempre. A palavra aponta, como um lápis apontado, agulha de escrita, ponta de espinhos cravados direto ao olho do coração.
Assim, esse poema me bate à porta.