por Edson Cruz
as garras da noite infiltraram-se
sorrateiras
na hesitante luminosidade
dos dias.
a lição que nos ensina
com seu manto de névoas
não será fácil assimilar.
em tempos de trevas
mitologias e religiões confundem-nos
ainda mais.
os sonhos foram expulsos
e le cheval noire de la nuit encarcera
todas as imagens luminosas.
o que engendramos em vigília
já não inspira qualquer transcendência.
pode ser que não sejamos mais humanos
e alguma mutação ôntica já tenha
se instaurado.
talvez não seja mais possível zombar
da multidão de deuses
nem esquecê-los.
quiçá tenhamos de lhes fazer libações
para domesticar a legião de demônios
que despencou dos palácios de Satã.
o que se instaurou sobre nós
é o informe Caos à espera
de algum demiurgo.
uma símile corrompida do Paraíso Perdido
com versos que eliminaram
qualquer possibilidade
de redenção.
Fui interpelada por esse poema na última sexta-feira, com a seguinte informação: estamos saindo da Covid, mas já melhores. No dia mais crítico da doença saiu esse poema, disse o Edson Cruz.
Eu estremeci, continuo estremecendo enquanto escrevo e publico isso. E, aos poucos, a escrita vai sendo uma aposta no vivo, uma confiança de que esse é um caminho que nos leva ao “mais além”. E Edson segue escrevivendo. Pandemônio é o novo livro que ele escreveu durante essa quarentena e que será editado pela Kotter Editorial. A gestação do livro ainda pode ser conferida em http://sambaquis.blogspot.com/
Escrever é ter para onde ir.
Ângela Castelo Branco
imagem: “O Trono do Caos”, de Gustave Doré