[Livros à mão] Talvez essas cartas sejam para você, por Keila Knobel

Definições sempre me encantaram. Não aquelas que se encerram nos dicionários, mas as que viram as palavras de ponta-cabeça, vasculham o seu passado para inventar outros futuros para elas.
Talvez essas cartas sejam para você, por Keila Knobel

por Keila Knobel

 

Quando ganhei esse livro, fiquei curiosa com ele, mas não o li. Não era para mim. Como diz o título, são “cartas a um jovem poeta”, e eu era uma fonoaudióloga-pesquisadora-decepcionada voltando para o consultório. Resgatei a fala da minha avó “as lágrimas de um você enxuga no paletó do outro” e a trouxe para a vida profissional (funciona melhor, acho). Fui secar minhas lágrimas na arte e na literatura. Quando, dois anos depois, me remoía em dúvidas porque não sabia se assumiria meu novo amor inteira e publicamente, reencontrei o livro com as cartas que Rilke escreveu em resposta ao rapaz que viveu algo parecido.

No começo da primeira carta Rilke (1875-1926) já avisa que não fará nenhuma avaliação crítica dos textos recebidos e o censura por buscar sua opinião, de outros autores e de editores. “O senhor está olhando para fora, e é o justamente o que menos deveria fazer neste momento. Ninguém o pode aconselhar ou ajudar – ninguém.” Assustada e encantada, fui grifando, circulando, enchendo o livro de post-its. “Também, meu prezado senhor, não posso lhe dar outro conselho fora este: entrar em si e examinar as profundidades de onde jorra a sua vida; na fonte desta é que encontrará resposta à questão de saber se deve criar. (…) Talvez venha a significar que o senhor é chamado a ser um artista. Neste caso, aceite o destino e carregue-o com seu peso e sua grandeza, sem nunca se preocupar com recompensa que possa vir de fora.” Eu lia e voltava para a primeira página do livro. Ficávamos a nos olhar.

 

 

Felizmente o jovem e indeciso Franz Xavier Kappus era também insistente, e Rilke, paciente. Nas nove cartas que seguem essa primeira (trocadas entre 1903 e 1908), Rilke fala sobre a importância do contato com a simplicidade e com a natureza, abraçando a solidão que somos e sempre fomos. Fala do valor de tudo o que nasce dentro de si, ainda que seja difícil trazer-lhes à luz. Principalmente, diz da criação que nasce unicamente por necessidade íntima, sem finalidade, muito menos por anseio de aprovação ou de reconhecimento. E revela algo que só entendi depois de muitas releituras. A inquietação, a dor e a melancolia trazem o futuro para dentro de nós.

 

Rainer Maria Rilke. Cartas a um jovem poeta e A Canção de Amor e de Morte do Porta-Estandarte Cristóvão Rilke. Tradução de Paulo Rónai e Cecília Meireles. São Paulo, Editora Globo, 2016, 123 p.

 

(publicado na Alemanha em 1929, primeira edição em português em 1953)

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