Demorar é uma exposição multilinguagem a partir das obras do escritor, en- saísta, romancista e crítico de literatura francês Maurice Blanchot (1907- 2003). O projeto contempla uma exposição de artes visuais (artistas serão convidados a produzirem seus trabalhos a partir dos afetos que a obra de Blanchot os provoca) e será acompanhada de uma programação cultural composta por uma sessão de narração oral bilíngue, leitura pública da obra, apresentação musical, dança butoh, mesas de debates e lançamento de pu- blicação, deixando rastros e marcas pel’A Casa Tombada, espaço cultural localizado em Perdizes-SP que investiga as relações entre arte, cultura e edu- cação. A exposição e a programação cultural em torno dela se realizarão du- rante período de um mês. É importante ressaltar que a programação cultural será gratuita, aberta ao público em geral. A curadoria é de João Gomes. O projeto encontra-se em fase de captação de recursos para sua realização.
A palavra que nos guia é “demeure”
A obra filosófica, crítica e literária de Blanchot carrega como característica su- til e constante a indecidibilidade entre, justamente, o espaço (ruas corredores, quartos, portas, casas, mesas, escadas etc) e o tempo (cronologia, o agora absoluto, o instante, o tardar, a duração, o porvir, o messiânico…) e a oferece ao leitor através das imagens contidas em uma trama narrativa densa, a qual responde estilisticamente ao conteúdo que carrega e que, por sua vez, a erode interiormente. Jacques Derrida notara essa estranha maneira blanchotiana de entregar-se enquanto texto em seu comentário de O Instante de Minha Morte. A palavra que guia essa leitura é “demeure”, que mantivemos como “demora” ou “demorar” para, como originalmente em francês e respeitando a dupla significação de sua etimologia latina, deixar visível a conjunção entre habitar um lugar e estabelecer com ele uma relação temporal única.
Assim, a presença de Blanchot não apenas ocuparia a casa, mas nela se de- moraria, elevando as potencialidades deste lugar ou até mesmo, esgotando-o. Assim, essas duas linhas de ação (exposição e programação cultural multilinguagem), cada uma a seu modo, nos levam a nos demorarmos coletivamente nos lugares e no espaço da casa (uma tradução também possível para “de- meure”)
Demorar n’A Casa Tombada
Consideramos que a obra de Maurice Blanchot é fundamental para os dias de hoje, pois nos faz pensar para além da obrigatoriedade do dizer ou o excesso de palavras de ordem, de poder e de ódio as quais estamos expos- tos. Trata-se de exposição sim, mas de expor-se à experiência da palavra começante. Quando os modos convencionais de pensar nos parecem esgota- dos, eles próprios enfraquecidos, o que fazer? Como nos expormos a esta palavra recém nascida? Como nos servirmos desta aparente fragilidade como uma nova forma de pensar? Como pensar a partir do esgotamento? Blanchot, em 1957, explicita essa nova exigência em outro romance, Le Dernier Homme: “Ele tinha a fraqueza de um homem absolutamente infeliz, e esta fraqueza sem medida lutava contra a força deste pensamento sem medida, esta fraqueza parecia achar sempre insuficiente este grande pensamento, e ela exigia isso, que o que havia sido pensado de uma maneira tão forte fosse pensado de novo e repensado no nível da extrema fraqueza.” Tais indícios literários acompanhados pela leitura da obra crítica do autor podem nos propor uma reflexão valiosa sobre a contemporaneidade, sobre os discursos de poder vazios e autoritários, mas também sobre uma subjetividade não fascista.
Ações do projeto
Exposição – Durante um mês, de terça a domingo, das 11h às 20h. Dois educadores estarão responsáveis para o acolhimento ao público de diferentes maneiras.
Em cada cômodo da Casa Tombada haverá um desdobramento, uma leitura, uma interpretação que serão como vestígios desse morador-visitante mantendo-se a ideia de um processo contínuo de interferência no espaço e na permanência.
- Um cômodo será destinado a experiência criativa coletiva de Edith Derdik e Júlia Panadés “Um Livro Por Vir – residência em resistência”, inspirado no livro homônimo de Blanchot;
- Outros espaços acolherão os objetos visuais e poéticos de Arturo Gamero, que imprimem na transparência uma certa “Voz vinda de outro lugar”, livro de Blanchot;
Ângela Castelo Branco deixará restos da “fala profética” inscrevendo em uma parede da casa os instantes de atualização do presente durante a exposição, baseado no texto homônimo de Blanchot.
Programação Multilinguagem
- Os Ensaios Ignorantes (dirigido por Juliana Jardim) – farão leituras públicas de trechos escolhidos nunca antes traduzidos para o português e do livro “O Instante da Minha Morte”, além de estabelecerem, assim, algo que pode ser chamado de espaço-es- cola, um lugar de narrativas contínuas inspirada na noção de comunidade (aquela que pode ser “inconfessável” para Blanchot ou “inoperante” para Jean-Luc Nancy). Em linhas gerais, as encenações dos Ensaios ignorantes caracterizam-se por encontros de longa duração, nos quais ensaístas e público, juntos e separados, ficam perto de um material textual, seja ele um livro, um roteiro, um libreto, e realizam ações cênicas, musicais, fílmicas, e de diversas texturas em torno dele, com maior ou menor intensidade teatral, às quais nomeamos repousos e derivas/digressões.
- O grupo Sábado em Casa realizará um evento de Narração de Histórias para Adultos. O público será recebido pelos contadores de histórias e artistas Giuliano Tierno de Siqueira, Letícia Liesenfeld, Angela Castelo Branco e Magno Rodrigues Faria nos vários espaços de uma casa para ouvirem histórias e/ou fragmentos do livro literário de Blanchot: Thomas, o obscuro. Haverá um intervalo para a degustação de um jantar e, logo na sequência, há uma partilha de “palhinhas” de histórias curtas feita pelo público, mediada pelos
- O grupo musical El Topo (artistas à confirmar) tratará de desmaterializar ainda mais os movimentos através do som, da música irrepetível, da palavra desconstruída.
- Dança butoh (à confirmar) – Dorothy Lenner e Andreia Hiromi (nomes à confirmar), dançarinas butoh caminharão pela residência, tornando visível o que os textos apenas nos sugerem. Deslocamento ao qual parece responder ou resistir, em outro momento, a vida da própria casa. O trio de música experimental e de improvisação
- Exibição do documentário: “Maurice Blanchot” (dir: Hugo Santia- go, roteiro: Hugo Santiago e Christophe Bident, co-produção France 3 e INA)
Mesas de Conversa
Duas mesas de conversas com a intenção de verticalizar algumas noções que nos são caras. Organizaremos dois encontros durante a semana, no período da noite, com professores e escritores com os quais Blanchot já formou uma silenciosa relação de amizade e aos quais será solicitado indicar a vizinhança do pensamento de nosso autor com outros, por exemplo, seus dois mais próximos amigos Emmanuel Lévinas e Georges Bataille, bem como Walter Benjamin, Friedrich Nietzsche e Maria Gabriela Llansol.
Cada mesa será composta por duas pessoas, no máximo, para aproveitar- mos, sem pressa, o tempo de cada fala. Durante a realização dessas duas mesas serão chamadas a participar as editoras brasileiras que publicaram uma parte da obra de Blanchot.
Publicação
Publicar dois textos impressos inéditos de Maurice Blanchot: Celui qui ne m’accompagnait pas (Aquele que não me acompanhava, com tradução de João Gomes) e o artigo “Por uma fraqueza infinita: Maurice Blanchot”, de João Gomes. A editora para essas publicações ainda não está definida.
Pequena Feira de livros
Com as editoras que publicaram Maurice Blanchot no Brasil, convidando-as a exporem seus livros para comercializarem aos visitantes da exposição, apro- ximando a obra desse autor do público em geral
Dados técnicos do Projeto
Projeto Demorar
ProAC ICMS
Local de Realização do Projeto: A Casa Tombada
Código do Projeto: 25225
Segmento Cultural: Artes Plásticas, visuais e design
Público geral esperado: entre 1.700 e 2.000 pessoas
Responsável pelo projeto: Angela Castelo Branco
Email para mais informações: contato@acasatombada.com
João Gomes
Possui graduação em História – Faculdade de Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2000) e mestrado em História pela Uni- versidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2002). Doutorando em História Medieval na Université de Paris-I Panthéon Sorbonne e École Pratique des Hautes Études (EPHE-Ve séction). Tem experiência na área de História, com ênfase em História Medieval, atuando principalmente nos seguintes te- mas: compreensão da presença do indivíduo na história, subjetividade e inte- rioridade monástica, exegese e filosofia medieval. Atualmente desenvolve pesquisas sobre as formas do coletivo indefinido, multidão e comum. Foi pro- fessor substituto na Unesp-Franca, professor especialista visitante no IFCH- Unicamp, ministrou cursos na PUC-SP, Sesc, MAM e na Casa Tombada. Foi curador residente da exposição “Corpos que percorrem um espaço dividido”, na Funarte (out/nov de 2017).