Amor aos gaúchos, por Solange Serapião

 

 

 

Morei em Chapecó entre os anos de 1991 e 1993.

Terra catarina, vizinha do RS e, na época, de população predominante gaúcha.

Meus filhos nasceram lá e, nas festas no CTG, ficavam em colchões debaixo da mesa, enquanto eu e meu marido dançávamos em roda o vanerão. Fui acolhida, cuidada e pajeada nas minhas gestações pelas mães gaúchas.

Fui jurada, algumas vezes, para escolher “a mais bela prenda” nas festas. A moça deveria estar ‘pilchada’ conforme a tradição, ser simpática, se expressar bem e recitar

algo que lembrasse sua terra. Difícil escolher! Aquelas meninas podem estar entre as mães de hoje lutando contra as águas, pois muitos filhos de lá iam estudar no Rio Grande do Sul, na capital.

Hoje eu, aqui de longe, as acolho, cuido em orações e tento pajear com o sorriso que lembro delas, se apresentando segurando as saias rodadas bem abertas, para mostrar o orgulho que sentiam em pertencer àquele povo.

Guardo até hoje, em lugar especial, a ‘cuia e bomba’ de criança que meu filho ganhou.

Colocava-se leite com açúcar e um pouquinho de erva de mate, que era para o ‘guri’ ir se acostumando. Até hoje chamo o meu filho de guri.

Foi lá que vi pela primeira vez, homens recitando poesias, os declamadores, que em versos falavam de amizade, amores e respeito, de bombacha, chapéu, bota e, muitas vezes, vozes embargadas pela emoção.

A música gaúcha, tocada na ‘gaita’, é alegria, vibração, impossível não se mexer, bater os pés no compasso, sair rodopiando. Agora entendi por que se dança em roda, no mesmo compasso e respeitando a direção. Porque esse povo caminha junto, respeita o ritmo e todos, ali, funcionam como uma peça que faz a roda girar.

 

 

Sou contadora de histórias e adoro contar “A Salamanca do Jarau”:

“(…) A Teiniaguá se transformou na princesa moura, que sorriu para ele e pediu vinho, com os lábios vermelhos.” – gosto de contar com batom vermelho e dizer: 

pediu vinho e um beijo!!! (Licença dada ao contador, que conta um conto e aumenta um ponto).

 

A versão desse conto que eu tenho, termina assim:*

“Assim, foram parar no Cerro do Jarau, no Quaraim, onde descobriram uma caverna muito funda e comprida. E lá foram morar, os dois.

Essa caverna, no alto do Cerro, ficou encantada. Virou Salamanca, que quer dizer “gruta mágica”, a Salamanca do Jarau. Quem tivesse coragem de entrar lá, passasse

7 Provas e conseguisse sair, ficava com o corpo fechado e com sorte no amor e no dinheiro para o resto da vida.

Na Salamanca do Jarau a Teiniaguá e o sacristão se tornaram os pais dos primeiros gaúchos do Rio Grande do Sul”.

Povo encantado! Isso vai passar!

 

Para me despedir, rezo com vocês hoje, o Pai Nosso gaúcho de Odilon Ramos:

“Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e com licença, do Patrão Celestial.
Vou chegando, enquanto cevo o amargo das minhas confidências, porque, ao
romper da madrugada e a descambar do sol, preciso campear por outras invernadas
e repontar do Céu a força e a coragem para o entrevero do dia que passa.
Eu bem sei que qualquer guasca, bem pilchado, de faca e rebenque e esporas, não se
afirma nos arreios da vida, se não se estriba na proteção do céu.
Ouve, Patrão Celeste, a oração que Te faço, ao romper da madrugada e ao
descambar do sol.
Tomara que todo mundo seja como irmão!
Ajude-me a perdoar as afrontas e a não fazer aos outros o que não quero para mim.
Perdoa-me, Senhor, porque rengueando pelas canhadas da fraqueza humana, de
quando em vez, quase sem querer, eu me solto porteira-a-fora…Êta, potrilho
xucro, renegado e caborteiro…

Mas, eu Te garanto, meu Senhor, quero ser bom e direito.
Ajuda-me, Virgem Maria, primeira prenda do Céu.
Socorre-me, São Pedro, capataz da Estância Gaúcha.
Pra fim de conversa, vou Te dizer, meu Deus, mas somente pra Ti:
que Tua vontade leve a minha de cabresto pra todo o sempre e até a Querência do
Céu.
AMÉM.”

 

 

Solange Serapião

16/05/2024

 

*Acervo pessoal:

A Salamanca do Jarau

Mitos e Lendas do RS – Antonio Augusto Fagundes

 

Escute o texto na voz de Kellen Lima:

O começo:

 

O meio:

 

O fim:

 

 

 

Música ao fundo – Yamandu Costa: Sarará

Voz: Kellen Lima

“Pílulas poéticas para atravessar dias difíceis”, criado por Kellen Lima é um projeto de envio de poemas para as vítimas das enchentes do Rio Grande do Sul. Se você quiser colaborar enviando poemas, áudios, imagens, vídeos poéticos, escreva para: blogdacasa@acasatombada.com. 

Cursos d'A Casa

[29/04/21] Descobrindo os 4 elementos da astrologia em nós – com Liliane Pellegrini e Melissa Migliori

[13/03/21] Correnteza: uma jornada de mulher em jogo – com Yohana Ciotti

[09/03/21] Educação antirracista com histórias: mitos e contos africanos e afro-brasileiros – com Giselda Perê

[09/03/21] Ateliê de voz: escuta, experiência e criação – com Renata Gelamo

[09/03/21] Escreviver – com Lúcia Castello Branco

[08/03/21] A Linha e seus papéis – com Edith Derdyk