por Ananda Luz
Tereza de Benguela
Na história do Brasil
Nas escolas ensinadas
Aprendemos a mentira
Que nos é sempre contada
Sobre o povo negro e índio
Sobre a gente escravizada.
Nos contaram que escravos
Não lutavam nem tentavam
Conquistar a liberdade
Que eles tanto almejavam
E por isso que passivos
Os escravos se encontravam.
Ô mentira catimboza
Me dá nojo de pensar
Pois o povo negro tinha
Muita força para juntar
E com grande inteligência
Se uniam para lutar.
Um exemplo muito grande
É Tereza de Benguela
A rainha de um quilombo
Que mantinha uma querela
Contra o branco opressor
Sem aceite de tutela.
[…]
No quilombo liderado
Era possível encontrar
Estrutura de política
Que seria de invejar
E a administração
Também era exemplar.
[…]
O sistema muito rico
Tinha até um parlamento
E também um conselheiro
Pra rainha embasamento
Que exemplo grandioso
Era o gerenciamento!
[…]
Oh, Tereza de Benguela!
Nosso espelho ancestral
Sua alma ainda vive
E entre nós é maioral
Nós honramos sua luta
Sua força temporal!
(Jarid Arraes, em Heroínas negras brasileiras: em 15 cordéis, com ilustrações de Gabriela Pires, publicado pela editora Polén no ano de 2017)
Iniciamos a semana com Jarid Arraes, escritora e cordelista nascida na região do Cariri. O trecho do poema está no livro Heroínas Negras Brasileiras em 15 Cordéis, no qual Jarid Arraes escreve as histórias, invisibilizadas, de mulheres negras que lutaram de diferentes formas contra as opressões do racismo. No livro, a cada página, um encontro com verdadeiras heroínas: Antonieta de Barros, Aqualtune, Carolina Maria de Jesus, Dandara, Esperança Garcia, Eva Maria do Bonsucesso, Laudelina de Campos, Luisa Mahin, Maria Felipa, Maria Firmina, Marina Crioula, Na Agontimé, Tereza de Benguela, Tia Ciata, Zacimba Gaba e, para não finalizar, a sua história e a história de mulheres negras da sua vida. Tudo isso para dizer que as narrativas que tentaram apagar vivem. Que a memória da ancestralidade é força e alimenta as “heroínas do presente” como Jarid Arraes coloca na dedicatória do livro.
Tereza de Benguela, do livro da Jarid Arraes, abre nossos caminhos para dar destaque ao mês de julho, principalmente o dia 25. Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha e, no Brasil, o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. É um dia importante para refletirmos sobre o apagamento histórico que o racismo impõe às mulheres negras, às violências diversas que seus corpos estão expostos. Mas também é o dia para rememorar estratégias de lutas, de mostrar as produções negras e resistências contra tudo isso, porque, como mostram os versos da Jarid Arraes, mulheres negras nunca se calaram, nunca aceitaram, aquilombaram-se, resistiram e lutaram juntas.
Desde o mês passado, e nos meses que virão também, o blog d’A Casa tem convidado mulheres e homens negros, de diferentes lugares do país, para compartilharem suas escritas na coluna Poemas à Porta e Livros à Mão. Nesse mês os convites serão para mulheres negras escrevendo sobre mulheres negras e poetas negras, para que possamos conhecer suas produções intelectuais e artísticas que são muitas e diversas, mas que se encontram nas estratégias de resistências, existências e, principalmente, de (re)construir autodefinições.
Rainha Tereza, como era conhecida Tereza de Benguela, foi líder do Quilombo do Quariterê que abrigava mais de cem pessoas, entre negras e indígenas. No território, a Rainha Tereza, tinha um aparato de defesa forte, cultivava algodão, milho, feijão, mandioca, banana. A produção era destinada para subsistência e os excedentes eram vendidos na redondeza. É importante destacar que havia um parlamento no qual as decisões eram tomadas coletivamente e que o quilombo teve décadas de vida. Tereza de Benguela construiu uma história tão sólida na administração do quilombo, que deveria ser exemplo para gestores públicos. Sua história transborda, é viva e como Jarid Arraes disse é “nosso espelho ancestral”.
Ananda Luz
Moradora da Bahia, da cidade de Santo Antônio de Jesus, sou educadora, mestre em Ensino e Relações Étnico-Raciais (UFSB), curso a especialização em O livro para infância – processos contemporâneos de criação, circulação e mediação.