por Marcelo Ariel
A fonte
Todos os movimentos do nosso corpo são coreográficos. O coreógrafo é o inconsciente, a realização de um inconsciente envolve a consciência em algum nível destes movimentos e de suas durações. Duração implica em consciência, em submersão da linguagem do inconsciente em todas as suas camadas, principalmente na camada coreográfica e essa consciência implica também em uma sublimação. É óbvio que boa parte destes movimentos é condicionada pelo meio ambiente e seus dialetos espaciais, espaciográficos, não existe inconsciente que não seja contaminado pelos dialetos espaciográficos que envolvem o encontro com corpos humanos e não-humanos. Não é uma dança solo, mesmo quando aparenta ser. Há também uma contaminação dos atos falhos que são a gramática pulsional dos corpos, como diz o poema de Peter Handke na abertura do filme ASAS DO DESEJO de Wim Wenders: “ Quando estão dançando, as crianças não sabem que estão dançando.” Este não saber parece ser uma condição da dimensão pulsional, das coreografias do inconsciente. Quando ‘ em infância’ as danças espontâneas sem nome contém forças pulsionais que depois serão o vetor de sublimações várias, poderíamos falar da construção e cristalização de um ‘ eu gestual’ como algo a ser atravessado e possivelmente desconstruído e reconstruído por estas danças sem nome nas necessárias ‘crises ambientais’ da pessoa que reivindicam vazios para que sejam possíveis novas coreografias, evidenciando as diferenças escultórias entre o gesto coreográfico e o gesto surtológico.
A dança como o ato de esculpir os símbolos e o tempo
Os gestos atuando no espaço criam camadas de duração dentro do tempo. Havendo no interior do gesto a percepção de diferentes durações, o que nos indicaria um pensamento do gesto maior do que suas finalidades e intencionalidades como um desenho temporal. No filme NOSTALGIA de Andrei Tarkovski, o personagem Gorchakov precisa atravessar uma piscina carregando uma vela acesa em suas mãos e este gesto cria uma outra duração dentro do tempo da película, é um gesto escultórico que é parte de uma coreografia derivada do inconsciente da personagem. O único modo de realizar o pensamento coreográfico é a imersão nos símbolos evocados pelo inconsciente. O cinema de Andrei Tarkovski parece ter decifrado a esfinge: os símbolos exigem a escultura do tempo e isso é possível através dos gestos coreográficos, os símbolos criam na linguagem uma demanda por gestos coreográficos.
Uma forma de estar no mundo
A demanda dos gestos coreográficos é a da recuperação do corpo de modo a dar ao corpo as sensações que ele mesmo sente em seus ritmos em diálogo constante com os ritmos do mundo. A percepção ativa destes ritmos em nosso corpo nos torna capazes de uma dança que é ao mesmo tempo um halo que recobre todos os nossos gestos cotidianos e é esta consciência, esta percepção, o fator central de uma sublimação essencial.
Marcelo Ariel é poeta e vive em São Paulo